“Águas e solidariedade: todas e todos por todas e todos”, Selvino Heck. CAMP. CEAAL Brasil.

Os tempos urgem e rugem.

23 de maio de dois mil e vinte e quatro, 25 dias depois das primeiras chuvas e tempestades no final de abril de 2024 no Rio Grande do Sul, Brasil, mensagem da Campanha Todas e Todos por Todas e Todos: “Pessoas queridas. Desejamos um dia de sol a todas as famílias gaúchas e brasileiras. Com a redução das águas em Porto Alegre, Canoas, Alvorada, Eldorado do Sul e São Leopoldo, a calamidade climática expõe os danos que atingiram milhares de famílias. Há aquelas pessoas que estão sem casa e não têm para onde retornar. E há aquelas que as casas estão com as estruturas comprometidas e seus pertences e bens adquiridos ao longo de uma vida, todos perdidos. Estamos vivenciando um sofrimento humano muito dolorido e que impacta na própria identidade de cada pessoa atingida. E é neste momento que a nossa campanha ganha maior importância, porque junto com a acolhida, o abraço, a solidariedade, seguimos fornecendo as 1200 refeições diárias para que as pessoas não adoeçam de fome e cansaço. Seguimos contando com sua ajuda solidária. Já arrecadamos mais de R$ 25.000,00, que se transformaram em alimentação, remédios, produtos de higiene pessoal, combustíveis para o resgate. Nossa chave pix é o CNPJ do IDHES – Instituto de Direitos Humanos – 08637072000156. APOIE! DIVULGUE! DOE. Ação Solidária. Todas e Todos por Todas e Todos.”

As enchentes, tempestades, produzindo o caos, a tragédia no Rio Grande do Sul, começaram dia 29.04.24. As entidades filiadas ao CEAAL de todo Brasil – CAMP, CEAP, IDHES, INESC, junto com a Plataforma pela Reforma do Sistema Político, Comitê Popular em Defesa dos Direitos do Povo, entre outras muitas - organizaram uma campanha nacional de apoio aos milhares e milhares de desabrigados, famílias que tiveram que sair de suas casas, ficaram sem abrigo e sem comida.

O CEAAL Brasil participou de uma Oficina dias 29 e 30 abril, na Universidade Federal da Fronteira Sul, Passo Fundo, Rio Grande do Sul, exatamente nos dias em que começaram as chuvas e a tempestade. Participantes: movimentos sociais e populares, CEAAL, Universidades e representantes do Ministério da Saúde do governo federal. Tema: Oficina de Planejamento do Curso de Especialização em Educação Popular, Turma da Região Sul do Brasil, construção da PNEPS-SUS, Política nacional de Educação Popular em Saúde.

Na análise de conjuntura, um dos temas principais foi a crise climática, num contexto de crise civilizatória: crise energética, os cuidados urgentes com a Casa Comum e seu futuro. O CEAAL estava atento aos tempos e aos acontecimentos, antes mesmo do caos e tragédia no Rio Grande do Sul. E vem participando ativa e solidariamente das articulações de apoio na área da saúde, as emergências dos hospitais, os cuidados com os Agentes Populares de Saúde e todas as medidas e iniciativas que protejam a vida e a Casa Comum.

Águas alimentam e dão vida. Águas matam. São os tempos no Rio Grande do Sul em  maio de 2024. Quase a totalidade dos 500 municípios do Estado está sofrendo com temporais,  chuva intensa, enchentes, deslizamentos de terra, enxurradas, estradas interrompidas, casas aos pedaços, lavouras aos frangalhos. Cabeças, mentes e corações vivem despedaçados de dor, sofrimento, tristeza com mais de 100 pessoas mortas e centenas de desaparecidos. Em Santa Emília, Venâncio Aires, interior do Rio Grande do Sul, na casa da família onde estou provisoriamente alojado, choveu mais de 600 mm em poucos dias, o correspondente a muitos meses de chuva.

Um quadro jamais visto e vivido por ninguém, em intensidade muito maior do que os já trágicos acontecimentos de agosto/setembro de 2023 e de janeiro de 2024. Porto Alegre está debaixo d´água, a Rua da Praia, a mais conhecida da capital gaúcha e onde fica a Esquina Democrática, voltou a ser de fato e na prática Rua da Praia, mesmo estando hoje a centenas de metros do rio Guaíba. Estádios de futebol, como a Arena do Grêmio e o Beira Rio do Inter, em Porto Alegre, estão inundados, hospitais fecham as portas pela invasão das águas, em bairros inteiros só se anda de barco.

Cidades e municípios, como São Leopoldo, Canoas, Eldorado do Sul, Cachoeirinha, na Região Metropolitana, Sinimbu, Lajeado, Rio Pardo, Candelária, Cruzeiro do Sul, Roca Sales, Muçum, Encantado, nos Vales do Rio Pardo e do Taquari, entre muitos outros, estão completamente devastados. No ditado popular, não sobrou pedra sobre pedra.

Não há transporte público nem condições para viajar para lugar nenhum. O TRENSURB, trem que liga Porto Alegre a Novo Hamburgo, foi paralisado. O caos: a rodoviária de Porto Alegre está sob água, fora de ação, o aeroporto Salgado Filho está fechado em suas operações, bairros inteiros, de grandes hospitais, estão sem água para usar e beber, sem energia elétrica, sem internet, sem comunicação.

No meu caso pessoal, estou ´ilhado´ há semanas, depois de uma viagem perigosa (ver meu artigo, ´O CAOS ESTÁ AO LADO DA PORTA´, em www.brasildefators.com.br), em Santa Emília, interior de Venâncio Aires, casa da família, louco para ir a Porto Alegre, abraçar as pessoas e somar-me direta e fisicamente aos esforços de enfrentar a dor, a morte, o sofrimento. Semana após o início das chuvas, não há meios de ir de Venâncio Aires a Porto Alegre, a pouco mais de 100 quilômetros: estradas e pontes interrompidas, estradas alagadas e sob montanhas de terra em muitos lugares. Resta acompanhar os acontecimentos à distância, tentar ajudar na informação e no apoio solidário, com análises, orações e tudo mais que possa, de alguma forma, contribuir, ajudar a aliviar e diminuir o sofrimento e seu alcance.

Tragédia, caos. Não há outras palavras para definir os fatos.

Só há uma coisa que salva o Rio Grande do Sul e o povo gaúcho e, por extensão, o povo brasileiro: a solidariedade. Nunca se viu nada igual. Movimentos sociais e populares, movimento sindical, diferentes igrejas e religiões, Pastorais Sociais, ONGs, escolas e Universidades, comunidades, milhares de voluntárias-os, médicas-os, enfermeiras-os construíram em poucos dias uma Rede de Solidariedade jamais vista em momento algum, dando expressão concreta ao NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUEM, surgida em meio ao neofascismo dos últimos anos e à pandemia do coronavirus. São Sementes de Solidariedade.

Milhares de pessoas ajudam nas Cozinhas Solidárias e Comunitárias e em todos os espaços possíveis e imagináveis, com alimentos, móveis, roupas, depósitos em contas bancárias e todas as formas possíveis e inimagináveis para alimentar quem está com fome e resgatar quem está ilhado ou perdeu tudo. Dezenas de milhares de pessoas, militantes, sonhadoras-es, que ainda existem muitas-os, fiéis, pessoas em geral saem de casa, vão às ruas, às vielas, às comunidades, às periferias. Organizam as montanhas de alimentos que chegam, distribuem os sopões, fazem as marmitas, acolhem, dão palavras de consolo, dão abraços, riem junto quando possível, choram junto a maioria das vezes, mostram caminhos.

CEAAL, através de suas entidades filiadas, está participando diretamente das ações de solidariedade, está nas Cozinhas Solidárias e Comunitárias, está no apoio moral e psicológico das milhares de pessoas e famílias atingidas. A educação popular, como sempre, é Formação na Ação: formar e agir, agir e formar.

Não há limite para a solidariedade e o amor. Não há família, ou trabalho, ou sono, ou cansaço que segurem mãos, braços, a cabeça e o coração de quem ajuda. Estão disponíveis, 24 horas por dia, manhã, tarde, noite, madrugada, sem parar. O povo pobre ajuda o povo pobre. É a solidariedade de classe de jovens, estudantes, mulheres, professoras-es, funcionárias-os públicas-os, Agentes Populares de Saúde. Solidariedade ao vivo e em cores.

Os tempos urgem e rugem, sim. Mas pode-se dizer: o Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo ainda têm jeito. ´Um outro mundo ainda é possível´,  urgente e necessário.

Ficam a pergunta e o desafio: como manter viva a solidariedade? Como aquecer corações o tempo todo e no futuro? Como garantir que ninguém solte a mão de ninguém nos próximos tempos?

A Casa Comum merece cuidado, muito cuidado, todo cuidado do mundo. Talvez mais que cuidado. Merece apoio, carinho, ternura. O capital e o mercado não podem mais continuar destruindo a vida e a natureza. A ganância não pode mais dominar as relações humanas, econômicas, sociais e políticas. A Sociedade do Bem viver, da gratuidade, do bem querer, da entrega uns aos outros, umas às outras e à natureza está clamando, está gritando, na fé, na caridade e na esperança. Para que as águas não tomem conta das vidas, não ocupem o planeta com mortes, mas sejam fontes de alegria, sobrevivência, sonho.

O CEAAL, como Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe, está presente e solidário.

EM LA BUENA LUCHA, CON SOLIDARIDAD, ESPERANZAR.

Selvino Heck

Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

Da Coordenação de CEAAL Brasil

Membro do Conselho Diretivo do CAMP

Em vinte três de maio de dois mil e vinte e quatro